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16 de fevereiro de 2007

 

Para onde vão os postais perdidos?



Leio numa página de notícias que um cartão postal foi entregue com noventa anos de atraso. Um soldado inglês havia mandado para sua noiva enquanto esteve nas trincheiras da França na Primeira Guerra Mundial. Obviamente nem o soldado nem sua noiva estão mais vivos, assim que foi entregue à filha da destinatária que já chegou aos oitenta e seis anos de idade (não especificam se era filha do casal, nem mesmo se chegaram a se casar).

A encomenda esteve na central dos correios da cidade durante todo esse tempo, ninguém sabe dizer por que nunca havia sido entregue, mas é importante ressaltar a raridade desse caso que destoa de todas as histórias de objetos extraviados: O postal não só foi entregue ao final, como agora descobrimos onde esteve por todos esses anos. O caso foi resolvido por completo. Não cabem mais divagações sobre o destino da antiga carta, hoje sabemos tudo sobre ela.

Eu já não tive a mesma sorte, em Dezembro mandei um postal de Salvador para o pessoal do meu trabalho dizendo que estava adorando minhas férias e que havia ganho nove quilos desde que deixara de trabalhar. Hoje, de volta pra Espanha sei que esse postal nunca chegou, e que jamais descobrirei onde foi parar ou mesmo saber se ainda existe.

Não foi a primeira vez que me aconteceu. Alguns anos atrás, quando morava nos EUA mandei um pacote de fotos para meus pais que também nunca alcançou seu destino. Outra vez mandei pelo correio daqui da Espanha duas camisas para dois amigos no Brasil, eram da época do casamento do Príncipe Felipe com a Princesa Letícia e vinham com a frase "Eu tampouco fui convidado para o casamento real, ainda que o tenha pagado do meu bolso". Apenas um amigo recebeu a camisa, a outra se perdeu.

Se perdeu como o postal do soldado esteve perdido, mas a diferença é que eu não considero a hipótese de que daqui a noventa anos algum carteiro vá até a Praça Seca no Rio de Janeiro pedindo as mais sinceras desculpas pelo atraso na entrega da camisa do casamento do Príncipe...Que príncipe mesmo? Ah, tá. Um tal de Felipe.

Digo que isso não acontecerá porque não acredito que todas essas minhas encomendas extraviadas tenham tido a mesma sorte do postal do soldado de estar no mesmo lugar, intocadas por quase um século. Acredito que se meu pacote de fotos mandado desde os EUA, por exemplo, nunca chegou ao Brasil e nem foi devolvido ao remetente ele deve estar fora dos circuitos dos correios. Algum funcionário descuidado deve tê-lo enviado junto com as cartas para outro país, talvez na Ásia, e chegando lá outro funcionário distraído deve ter pensado que Rio de Janeiro era algum bairro esquecido daquela cidade e colocou junto com as cartas destinadas aos bairros da periferia. Logo o carteiro que já havia entregue toda a correspondência exceto aquela que ia para o desconhecido bairro do Rio de Janeiro se cansou e a abandonou num banco de praça, onde um casal se sentou não sem antes notarem o estranho pacote, abri-lo, revisarem e levarem pra casa por pena de jogarem as recordações de alguém no lixo.

O mesmo serve para a camisa do casamento real e para o postal de Salvador extraviados. Todos eles, acredito, estão nas mãos de um desconhecido que espero que estejam fazendo bom uso, mas isso vai depender da capacidade desse tal desconhecido de fantasiar sobre objetos esquecidos. Uma pessoa mais objetiva não guardaria um cartão postal de um lugar longínqüo, mandado por um estranho para pessoas que ele nunca ouviu falar e moram num lugar no qual ele nunca esteve. Não, um pessoa objetiva e prática não perderia tempo fantasiando quem seriam as pessoas envolvidas naquela carta, jamais interromperiam momentos de sua vida imaginando quem é o cara que engordou nove quiilos nas férias e o porquê dele achar que isso deve ser assunto de um postal. Uma pessoa direta e sensata jogaria o postal no lixo ou o abandonaria a esmo, quem sabe na esperança de que o próximo que encontre a carta extraviada tenha mais tempo e criatividade para deixar a imaginação correr sobre aqueles personagens que acabam de ser apresentados a ele.

Talvez justamente por eu ter passado várias vezes pela situação de encomendas extraviadas é que eu hoje faço parte do grupo dos sonhadores que não conseguem olhar um objeto abandonado sem se prontificar a imaginar toda a trajetória que ele seguiu até chegar naquela situação. Nunca aconteceu de uma carta endereçada a alguém de outro país parar na minha caixa de correio, mas há outras maneiras de nos depararmos com objetos de origem desconhecida. Não precisamos esperar que parem em nossas mãos, basta olhar ao nosso redor, eles estão em todos os lugares.

Comigo acontece sempre. Acontece quando vejo móveis jogados na lixeira e imagino que alguns anos atrás um jovem casal que acabara de comprar a primeira casa deveria tê-los escolhidos a dedo. Deveriam ser lindos quando novos, cheiro de madeira recém cortada, deveriam ter várias história para contar sobre o que passaram sobre eles ou diante deles durante esses anos, e hoje apodrecem numa lixeira.

Acontece quando compro livros usados e encontro alguns trechos sublinhados e divago sobre quem os sublinhara e o porquê de achar que tais trechos do livro mereciam destaque. Havia parecido a essa pessoa que tais frases eram algo muito profundo? Havia encontrado uma resposta naquelas palavras? Queria mostrar a um amigo? Nunca vou saber.

Ainda sobre livros usados, o último que comprei foi em Brasília. João Cabral de Melo Neto. Esse não tinha trechos sublinhados, mas na contracapa vinha o nome de sua antiga proprietária. Dizia: "Esse livro pertence a fulana de tal" e em seguida vinha a data: 3 de agosto de 2000. Isso diz muito pouco sobre ela. Posso garantir apenas que esteve viva em princípios de agosto de 2000 e que leu poemas de João Cabral de Melo Neto. Por outro lado não posso garantir que more ou nem sequer que já tenha estado em Brasília. Tampouco sei se gostou do livro, já que por um lado fez questão de colocar seu nome nele, mas por outro não se importou anos depois em cedê-lo para revenda. Penso em buscá-la no orkut já que ela entrou na minha vida ao escrever seu nome no livro que eu compraria quase sete anos depois, mas seu nome é muito comum, uma busca geraria vários resultados.

Assim reajo eu ao me deparar com objetos de origem confusa. Não sei se é normal, nunca havia comentado essa minha mania com ninguém. No mais, pode ser que eu esteja apenas dando a esses objetos encontrados o mesmo tratamento que gostaria que dessem a tudo que eu tive e hoje já não tenho mais. Sejam as encomendas que se perderam no correio, seja minha cachorra que minha falecida vó deu pra alguém, ou então aquela bicicleta azul que tinha marcha igual de carro e banco de Harley e meus amigos viviam pedindo pra dar uma volta. Seja a faixa laranja que eu ganhei no karatê e que me havia sido dada por um amigo faixa verde que pediu para que eu também a passasse adiante no futuro, mas não pude porque a perdi. Sejam meus bonecos do He-man e outros brinquedos que nunca mais encontrei ou até mesmo aquela fita de video-game que meu amigo me emprestou e eu nunca soube onde foi parar. Às vezes me flagro imaginando onde estarão todas essas coisas e dá aquela saudade besta. Espero que seus novos donos também pensem e criem histórias sobre mim.


***



Tão difícil encontrar algo do Itamar Assumpção na net que quando encontramos temos que compartir. Esse vídeo é dele cantando a música Embalos. Muito bom.

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Comments:
Não costumo ler textos longos na NET. Meus olhos ardem e não me sinto muito confortável aqui nesta cadeira improvisada...
Mas este seu texto me provocou a leitura até o fim.
E que texto legal!
Você é mesmo eclético!
Faz rir, faz pensar, faz "raivar" e, o que mais gosto, faz a gente se emocionar!
Valeu, Thiago!
 
Sobre o fato de eu "raivar" você algumas vezes, explico que é muito difícil escrever textos que não vão de encontro a algumas idéias de meus leitores: Você é evangélico, a MArília é vegetariana, a Lisandra acredita no zodíaco e votou no Alckmin, e tinha também um grupo de separatistas sulistas que liam esse blog, mas esses foram embora.

Enfim, eu não comparto nenhuma dessas ideologias que citei, e é difícil me expressar às vezes sem deixar claro que não faço parte de tais grupos. Ainda assim muitas vezes antes de postar algo polêmico eu repensei se poderia ofender alguém e segurei a onda (acredite, às vezes eu seguro a onda)

É isso. Valeu, Angelo
 
Olha, Thiago, como eu também já perdi correspondências - que enviei e que supostamente teriam sido enviadas a mim - eu sempre penso que se um dia receber algo em minha casa com um endereço de qualquer canto do mundo, eu vou ao correio e remeto novamente. Esperando que, desta vez, chegue ao seu destino.

Mas a impressão que tenho é que estas encomendas perdidas vão todas parar em alguma espécie de universo paralelo... pois não acredito que eu seja a única pessoa que tomaria esta atitude e, assim sendo, pelo menos uma das correspondências que perdi teria chegado ao seu destino, com carimbos de... agências postais de 10 lugares diferentes.... :|

Com relação às histórias que você cria na mente diante dos objetos encontrados... curti essa idéia, inclusive, vou passar a prestar mais atenção nos livros que eu adquirir de segunda mão. Quem sabe isso não me dê material para escrever? ;)

(P.S.: Quem falou que eu acredito em zodíaco? :P)
 
Grande Thiago...
cara venho aqui pq gosto do q eu escreve..................voltareir sempre!
Amigo quem foi q falou que sou evengéçico????
Abração
O BLOG "contiua lindoooooooooooooooooooooooooo"
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
vai entender?????
Abçs
 
errei leia-se "pq gosto do q VC escreve!!!"
valeu!
 
Lisandra:

Você mesmo veio aqui uma vez falar de leoninos. A partir daí tirei a conclusão de que você acreditava nessas coisas.


Angelo:

Vi uma vez no seu orkut dizendo que era evangélico.
 
Aaaaah , mas que sem graça brincar com gente observadora e com memória de elefante :P

Mas é isso mesmo... eu curto o Alckmin e votei no horóscopo. Mas nem por isso qualquer dos seus posts me ofendeu. Sei separar as coisas. :)
 
Esse post foi bem "Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain".
 
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