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9 de janeiro de 2006

 

Contos


O impeachment de Deus
autor: El hombre maíz

"Se realmente acreditassem em Deus, as pessoas não se masturbariam." Isso não fui em quem disse, estava escrito na porta da igreja daquela cidade. - Espantoso! -comentavam.

- Que falta de respeito! - Disse uma senhora gorda

- E bem na porta de uma igreja. - Disse outra senhora também gorda

- Pra onde esse mundo se encaminha... - Disse uma senhora mais gorda que as duas anteriores juntas

- Isso é coisa de algum fanático religioso. - Comentou uma velhinha

- Super fanático, digamos, porque isso é típico de tempos medievais. - Agregou uma velhíssima
E assim foram se repetindo os comentários de todos que passavam pela porta daquela igreja. O mais interessante de todo o acontecimento é o tempo que tardaram em entender o que estava escrito. Pensavam que era uma mensagem de algum extremista religioso que pregava que como prova de devoção deveríamos manter nosso pudor também quando nos encontrássemos longe de miradas inquisidoras. Naquela tarde não se falava de outra coisa na cidade. As opiniões de dividiam.

- Mas, eu tinha lido numa revista de que isso era natural, que era saudável, que todo jovem fazia. - Disse uma senhora velha e gorda enquanto seu marido encabulado se mantinha calado.

- Jovens e velhos, senhora, porque não os velhos? Isso é natural em qualquer idade. - Disse um senhor de bigodes e o marido da senhora velha e gorda respirou aliviado.

- Sim? - Perguntou a velha gorda levando a mão ao peito num gesto de espanto e enfatizado " SIIIMMM????" Logo olhou desconfiada para o marido.

- Obviamente - Respondeu o senhor de bigodes que estava gostando de brincar de sexólogo. - Inclusive, devo informar, que esse tipo de coisa também é absolutamente natural nas mulheres. Talvez em menor freqüencia ou dissimulando melhor, mas, natural. absolutamente natural - E um grupo de jovenzinhas que haviam se agrupado à conversa também soltou um "siimmm?" Levando a mão ao peito num gesto de espanto, só que dessa vez se notava uma certa falsidade. Logo respiraram também aliviadas as pobres.

- Mas a bíblia diz que é pecado. - Sentenciou uma velha gorda que levava luto à dez anos.

- Sim, Lembre-se de que Deus puniu a Onan. - Agregou outra senhora não muito diferente de todas as outras já citadas.

- Tempos atrás morriam na fogueira se eram flagrados fazendo essas coisas - Instruiu aquela do luto de dez anos.

E toda a tarde se afundou em essa espécie de diálogos hipócritas. Realmente, ninguém havia entendido todavia o significado daquela mensagem mal educada na porta da igreja. A surpresa maior veio pela noite quando estavam assistindo o noticiário pela televisão: Estava em todos os lugares! Espantoso! Todas as igrejas do mundo, ou pelo menos grande parte delas haviam amanhecido com a mesma inscrição, em diferentes idiomas obviamente, parecia um anúncio do fim dos tempos.

Agora já sabiam que não se tratava de uma ação individual de um fanático religioso ou de um vândalo qualquer da rua. Sabiam que aquilo era obra de um grupo muito bem organizado, talvez uma nova seita espalhado por todo o mundo e muito bem comunicados entre si. O que sucedeu após esse aontecimento foi um mal-estar geral por todos os participantes da fé cristã. Como não houve um pronunciamento do grupo desordeiro todos mantiveram suas expectativas de que algo mais estava por acontecer, a ansiedade e o medo eram visíveis em cada cristão.

Os sacerdotes ainda não haviam planejado uma postura comum ao acontecimento, de maneira que cada um interpretava e argumentava o acontecido como bem entendesse durante as cerimônias, o que costumava gerar mais confusão, mas, ninguém havia interpretado ainda o verdadeiro significado daquela frase, todavia acreditavam que se tratava de fanatismo religioso, outros de que era obra de baderneiros que nada mais queriam molestar as pessoas corretas escrevendo um desrespeito na porta de um templo sagrado.

Muitos dias de inquietudes depois se manifestaram. Talvez porque viram que sua mensagem não havia alcançado seus objetivos, umas vez que tinham trazido dúvidas quando o certo é que planejavam espalhar uma nova verdade. Dessa vez, as portas das igrejas não amanheceram rabiscadas, fizeram outra manifestação massiva, porém, através de outros meios. De todos os meios para ser mais exato. Internet, fitas vhs, rádio, folhetos, naquele dia o mundo foi inundado por toda forma de comunicação para informar o propósito daquele polêmico grupo.

Eram ateus. Uma organização mundial de ateus, ou seja, o extremo oposto do que acreditava grande parte das pessoas quando diziam tratar-se de fanatismo religioso. Não queriam convertir as pessoas ao ateísmo, achavam desnecessário. Segundo eles, ninguém tinha realmente qualquer fé em Deus, bastava com fazer que as pessoas percebessem sua própria descrença. Por isso a escritura da igreja "Se realmente acreditassem em Deus, as pessoas não se masturbariam", ou seja, diziam que se as pessoas se masturbavam é porque não acreditavam realmente que havia um Deus onipresente naquele momento. Ou isso é lá coisa que se faça diante de Deus?

Obviamente a masturbação era apenas um exemplo, nas verdade havia uma infinidade de coisas que não nos atreveríamos a fazer nem diante do mais insignificante dos humanos, quem dirá diante do criador. Soltar pum é um exemplo, isso sem falar em fazer amor, tirar meleca, adultério, dar um cacete no seu sobrinho, comer aquele salgadinho que caiu no chão e ninguém viu..opa! Ninguém? Mas há um Deus onipresente te vigiando. Tem certeza de que quer cometer essa gafe diante do soberano?

Impossível. Ou ninguém crê em Deus, ou, se crê, lhe trata com excesso de intimidade muito grande para com seu criador. E o que dizer da onisciência? Imaginem o envergonhado que nos sentiríamos se realmente acreditassemos que alguém conhece todos os pensamentos de nossa cabeça? Quanta bobagem, quanta intimidade, quantos devaneios, dúvidas e fantasias sexuais mirabolantes expostas ao ser supremo. E não obstante não nos policiamos muito quando queremos pensar bobagens e guardar só pra nós mesmos. Por que? Porque na verdade não acreditamos que alguém está lendo nossos pensamentos.

Se a humanidade não vivia uma época de muita espiritualidade, esses acontecimentos só vieram realçar todas as dúvidas que possuíam acerca das verdades inquestionáveis do sagrado. Havia algo de sinceridade naquela frase da porta da igreja, todos concordavam que se encontravam ante um dilema. Ou assumiam seu ateísmo ou aceitavam o fato de que andaram vivendo de maneira muito desrespeituosa durante suas vidas, e isso servia para todos, até os padres ou bispos deviam se comportar de uma maneira menos rígida na intimidade, porém, se acreditassem que nunca estiveram sozinhos, que um ser supremo os vigiassem a todo instante, seriam rígidos todo o tempo, algo ía mal em toda aquela doutrina milenar. Foi um golpe baixo contra a fé cristã. Raiva, apatía, desespero, todos esses sentimentos se misturavam naquelas pessoas que algum dia pensaram que possuíam alguma fé e agora se resignavam a aceitar sua nova condição. Ateus. Somos todos ateus. Ateus ou pecadores, o que sempre resultou muito parecido ao olhos dos religiosos.

Frente a todos esses acontecimentos blasfemos, a igreja resolveu tomar uma atitude. Deveriam reunir-se deveriam criar uma resposta a esse argumento pagão, deveriam devolver às pessoas a esperança de que estão agindo corretamente aos olhos de Deus e que não era necessário creer-se desrespeituoso ou ateu só porque não conseguem agir como se Deus estivesse lhes vigiando todo o tempo. - Afinal - Diziam - Era normal esquecer dessas coisas, somos pessoas ocupadas, temos nosso trabalho, nossa família, nossas necesidades financeiras, enfim, é uma época muito materialista, parece natural que nos esqueçamos nossa espiritualidade às vezes e todo esse papo de onipresença, onisciência porque nos apegamos à coisas materiais, e, como a presença de Deus não é algo concreto ou, ao menos não encontramos provas concretas da presença de Deus no nosso dia-a-dia, isso nos faz esquecer de que pode estar vigiando-nos e essas coisas... – E foi então que uma época muito dura para a fé ocidental acabava de começar, pois, o que sucedeu a esses pronunciamentos foi uma série de acontecimentos desesperadores a todos os representantes do cristianismo.

Sim. Ignoraram o fato de que um argumento dessa classe iria soar muito mal. Todos se sentiriam enganados por todos aqueles anos em que se encontraram mergulhados em dores e dúvidas e que o único conforto que possuíam era a garantia de que Deus os estava assistindo, e, se não viamos a Deus diante de nossos olhos era por culpa da impureza de nossas almas, nossa pobreza de espírito e bla bla bla...Agora escutavam as mesmas pessoas que pregavam a total dedicação divina classificar a presença de Deus como algo ausente de provas concretas. parecia que toda a humanidade aguardava incessantemente por esta gafe para desabafar contra os acessores do todo-poderoso todo um conjunto de descontentamentos acumulados e que jamais se atreveriam a expressá-los se o momento não fosse tão oportuno.

E durante aqueles tumultuosos dias tudo foi questionado, todas as leis revisadas e todos os mistérios investigados. Se careciam de provas concretas, então o instinto coletivo pedia um Deus mais humano, mais terreno, mais terráqueo. Estavam saturados de viver em erro por não conseguir encaixar a realidade terrena nas leis celestes, queriam agora vulgarizar o sagrado.

Concreto. Essa era a palavra. Um Deus que pudessem tocar, que notassem sua presença, com quem pudessem dialogar, um Deus que existisse como existimos, que passasse pelos mesmos caminhos, e, por que não? Que obedecesse as nossas mesmas leis. Ouviam-se todo e qualquer tipo de reinvindicação pelas ruas. E assim vários grupos foram formados por pessoas com interesses em comum para gritar pelos ares onde achavam que o soberano havia falhado.

Havia alguns gritos que eram unânimes. Por exemplo, era de interesse de todos que a gula, a vaidade e a luxúria deixassem de ser pecado, e, o argumento era simples: "-Porque é bom demais e não incomoda ninguém" - Logo vinham as exigências mais particulares a cada classe de pessoa. As feministas, por exemplo alertavam sobre o machismo na doutrina cristã, acreditavam que as mulheres estavam muito mal representadas na bíblia, onde sempre lhes cabia papéis secundários ou de vilã. Alertavam também sobre o machismo no mandamento de "Não desejar a mulher do próximo". - Como se só os homens desejassem, ora essa! -Diziam.

Um grupo supostamente insignificante, mas , que merece nota foi o dos amantes da literatura e da gramática que não pediam nada mais que o direito de escrever "Deus" sem a inicial maiúscula, já estavam cansados de desobedecer as maravilhosas regras gramaticais só por uma questão de respeito a um ser que nem a igreja podia provar que existia. Alguns grupos foram além:

Naturalistas e vegetarianos se uniram à sociedade protetora dos animais. Havia muita coisa que queriam esclarecer. Desde o tráfico ilegal dos animais da arca de Noé ao impacto ambiental ocasionado pela multiplicação dos peixes. Um tema muito importante era sobre os pobres cordeirinhos sacrificados para que usassem seu sangue para marcar as portas das casas egípcias quando todos sabemos que há infinitas maneiras de marcar uma porta sem sacrificar cordeiros, mas, havia argumentos realmente polêmicos: Apelavam também, por exemplo, sobre o mal trato sofrido pelos leões obrigados a penar de fome ante o impedimento de devorar um suculento Daniel que tava ali dando sopa na cova.

Havia também um grupo formado por moralistas, militares, donas de casa, fascistas, reacionários e velhinhas em geral. Apesar dessa classe de gente possuir um forte vínculo com a igreja durante toda a história, dessa vez também protestavam. Nada pessoal, o que os molestava era somente a aparência física de Jesus. Já estava na hora de mudar aquilo, afinal, não parecia nada bem que um símbolo da juventude cujas palavras tanta influência causavam na mente das pessoas caminhasse por aí com essa pinta de anorexo, semi-nu, bebendo vinho, com seus cabelos compridos, sem fazer a barba, parecia até um desses rockerios da televisão. Definitivamente não transmitia uma boa imagem. E eles que reclamavam com seus filhos até quando levavam a camisa pra fora da calça achavam que Jesus deveria dar melhor exemplo.

Até o pessoal dos direitos humanos também soltou a voz, e, mantendo a tradição de defender seres diabólicos e desumanos, este parecia o momento mais oportuno de bancar o advogado do diabo - literalmente falando, que fique claro - Alegavam que Deus mantinha um prisioneiro de guerras antigas em cárcere privado. O prisioneiro era mantido incomunicavel, sem direito a advogado e enclausurado num cativeiro que era um verdadeiro inferno.

Um grupo curioso era o desses pseudo-cientistas que havia se reunido a outros ufólogos, fãs de arquivo X, jogadores de RPG, gordinhos espinhentos e mais outra porção de gente que também não gostava de fazer sexo, enfim, essa gente que gosta de brincar de desvendar mistérios oferecendo uma teoria mais mirabolante que a inicial. Não pediam mudanças, apenas uma retratação pública em que fosse assumido que Lázaro era cataléptico, Jesus um extraterrestre e que os israelitas haviam se aproveitado da maré baixa para cruzar o Mar Vermelho.

E assim foram passando aqueles turbulentos dias. Gritos e mais gritos blasfemios. Nada mais era sagrado e todas as verdades bíblicas eram vista com outros olhos, com olhos terrenos. Por isso a imaculada concepção agora era vista como um triângulo amoroso nunca esclarecido; Por isso, pela primeira vez, o fato de Deus haver mandado seu filho como salvador foi classificado como nepotismo e por isso Deus agora era acusado de ser um anti-democrata visto que governava o mundo através de uma ditadura que se perpetuava desde os princípios do tempo. Pediam agora um plebiscito.

Queriam definir uma nova forma de política divina que regeria o universo. Alguns apoiavam um parlamento onde Deuses indígenas, bárbaros, orientais, hindus e inclusive os da mitologia grega e todos os Deuses possíveis se reuniriam para tomar as decisões que melhor satisfariam a todas as culturas do mundo. Outros defendiam um universo presidencialista com sistema pluripartidário onde a cada quatro anos votaríamos nos nossos candidatos a Deus. Ainda que ninguém houvesse assumido uma candidatura, já se viam pelas ruas cartazes como: " VOTE EM LENIN", " VOTE EM HITLER", "VOTE EM ALEXANDRE MAGNO", " VOTE EM GANDHI", "VOTE EM EINSTEIN", "VOTE EM JOHN LENNON" e até "VOTE NO PELÉ".


*********

Muito longe de todo esses rituais de heresia, no reino dos céus, os anjos entraram assustados no gabinete do soberano para saber que atitude pensava tomar em relação ao que acontecia no mundo, mas, Deus nada respondeu, manteve seus olhos serenos e puderam descifrar em seu olhar que pretendia manter-se discreto da mesma forma que havia estado por toda a eternidade, sem se manifestar.

Aliás, sabia que todo aquele tumulto era uma febre passageira, dessas que já houve várias iguais. Não só estava seguro de seu poder como também sabia que a rebelião havia chegado ao seu limite. -Até onde mais poderiam chegar?-pensava - Uma greve? De que? Greve de existência? Impossível. Sempre existiram e sempre existirão, suas almas são imortais. Eu sei, fui eu que fiz. Um suicidio coletivo? Não creio que sejam capaz, andam muito materialistas ultimamente e nada assusta mais um materialista do que a morte. Greve de fé? Se vivem essa greve desde toda a história da humanidade, nunca acreditaram realmente em mim. - Então os anjos se retiraram e o grandioso voltou a observar lá do alto toda classe de rancores e dúvidas armazenadas que lhe lançavam. Assistia a tudo sem perder a serenidade, não havia o menor traço da temida ira divina em seu rosto. Nos olhava como um pai olha um filho travesso.

Depois voltou aos seus afazeres de soberano controlando todo o universo, estando presente em todas as coisas e em todos os lugares enquanto o mundo lá fora seguia seu ciclo. Ora o idolatrava, ora o maldizia ou até mesmo duvidavam de sua existência, mas, para Ele éramos todos iguais. Crentes ou não. Pecadores ou corretos. Era suficiente sábio para compreender nossa dor. Para Ele, qualquer postura ou opinião, contra ou a favor, que assumíssemos a seu respeito, nada mais eram que devaneios, uma vez que somos e vivemos matéria e nunca encontramos provas concretas de sua existência.

***
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Comments:
muito bom...
O que for verdade na terra; será no reino dos Céus...
 
mas se rolasse mesmo umas eleições pra Deus eu votava no Pelé
 
Eu no Calígula...
 
Eu votava é no Collor
 
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