6 de março de 2006
Contos
(autor: El hombre maíz)
Tinha já seus trinta anos e uma expressão taciturna. Se encontrava sentado num pequeno restaurante esperando ser atendido. A garçonete se aproximou a sua mesa:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
Ele sentiu um calafrio. "-Qual o seu pedido.." - Pensou.
Eram as tais palavras mágicas, a frase encantada, aquela que supostamente iria realizar seu desejo mais íntimo, mas, a bem da verdade, só havia servido para meter aquele rapaz em apuros memoráveis. Não se importava, ainda assim passou a vida inteira em estado de alerta constante em busca de detectar a tal frase em meio às suas conversas cotidianas, a frase encantada, e a garçonete acabava de pronunciá-las.
A culpa foi do Jander, pai de um de seus amiguinhos de infância, um que morava na casa ao lado, que anos atrás, quando ele ainda era uma criança, em uma reunião com seus companheiros de trabalho havia feito uma aposta: se fantasiaria de gênio da lâmpada e conseguiria convencer o filho do vizinho que ele era real. Ganhou uma grana, afinal, a aposta era uma barbada, todo mundo sabia que aquele moleque era meio aluado e acreditava em qualquer besteira. E lá se foi Jander vestido de gênio da lâmpada tocar a campainha da pobre criança. Soltou até uns versinhos de improviso, Jander era terrível:
(dlin-dlón)
-Sim?
-Não tema, que não sou fantasma
Não corra, que eu não sou atleta
Não grite, que eu não sou surdo
Não feche a porta já aberta
- Ah.. É você. Eu quero um montão de chocolate
- Hã?
- E meu segundo pedido é uma bicicleta.
- Pera! Como você sabe que pode me fazer pedidos? Eu nem me apresentei.
- Você é o gênio dos desejos, todo mundo sabe. Estou te esperando desde o dia do aniversário do meu primo quando eu esfreguei escondido uma lâmpada da minha tia, mas, ali havia muita gente, sabia que você estava esperando eu estar sozinho em casa pra aparecer. Melhor ser rápido, a mãe foi ao mercado e volta logo, e ela não acredita em você, e é perigoso ficar aparecendo pra quem não acredita em ti.
Jander reincorporou o personagem. Sempre havia sido bom de rima:
- Certo, certo, rapazinho
mas te vejo exagerado
dois pedidos me fizeste
e só um te tenho autorizado
- Não eram três?
- Três nos tempos de Aladin
Dois depois só de pirraça
Pra você concedo um
Por enquanto é de graça
- Tudo bem, me dá só o montão de chocolate, a bicicleta eu peço pro Papai Noel
-Muito jovem é meu amo
Pra gastar seu pedido
Espera que um dia te chamo
É conselho de amigo
Toda a vida tem pela frente
Pensa com tranqüilidade
Imagina o melhor desejo
E eu farei tornar verdade
“Qual o seu pedido?”
Esta é a frase encantada
Que no momento certo da vida
Lhe será pronunciada
Não por mim nem por meu pai
Pode ser homem ou mulher
Mas não virá de um conhecido
Será um estranho qualquer
Mas pra que possa seu pedido
Se tornar realidade
Só te faço um requisito
Não me falte com a verdade
Peça o que mais queira no mundo
Seja mundano ou absurdo
Do fundo do infinito te vejo
Não se esqueça da frase
“Qual o seu desejo?”
- Pedido
- Como?
- Pedido. A frase é “Qual o seu pedido”, e, não “Qual o seu desejo”.
- Isso mesmo. “Qual o seu pedido?” . Não se esqueça.
Logo saiu correndo a gargalhadas e se escondeu detrás de um muro, estava satisfeito, já havia pregado a peça, o meninote havia engolido a história perfeitamente. O que Jander não poderia imaginar é que o garoto nunca esqueceria esse dia, e mais, criaria as tais memórias falsas, que são muito comuns quando nos lembramos de fatos da infância. Havia esquecido, por exemplo, que Jander saira correndo desengonçado a gritos histéricos e se escondera detrás do muro, seu recordo pueril era de que o tal gênio havia desaparecido diante de seus olhos numa nuvem de fumaça dizendo “kaput”.
Passaria todos os dias de sua vida em busca da frase mágica. Cada manhã meditava sobre qual era seu desejo mais sincero pra já ter a resposta pronta. Durante a infância foi difícil chegar a um veredicto, queria poder voar, ainda que ficar invisível também era bem atraente. Super força também parecia interessante, pra não dizer do poder de encolhimento que proporcionaria aventuras geniais. Mas, de qualquer forma, não teve a oportunidade de fazer nenhum desses pedidos em ocasião alguma por essa época. Seu primeiro contato com a frase mágica foi já na adolescência, e, pra esses tempos o pedido havia mudado bruscamente. Foi numa lanchonete fast-food. A caixa perguntou:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
- Eu quero a loira do tchan
- Como é que é?
- Perguntei se havia molho de hortelã. Se tiver, eu quero.
Ainda bem que era um rapaz criativo, foi o que o salvou de boas bordoadas ao longo da vida, já que suas tentativas seguintes não foram muito diferentes dessa primeira.
O tempo passou, a mente cresceu, mas, sua fé em que possuía direito a um pedido seguiu inalterada. Só o teor dos pedidos mudava, nunca se esquecia de olhar pra dentro de si profundamente cada manhã em busca de seu pedido mais sincero, não ia ser que ia perder a oportunidade de realizar um sonho por culpa da desonestidade consigo mesmo. E os pedidos iam e vinham: “quero acordar amanhã sem nenhuma espinha na cara” , “quero que o Brasil nunca mais perca pra Argentina” , “quero duas namoradas: uma loira e uma morena”, “quero fazer um gol de bicicleta”, “quero passar no vestibular sem estudar”...Todos esse pedidos foram proclamados sem a menor cerimônia cada vez que um desconhecido lhe soltava a suposta frase mágica: “Qual o seu pedido?”. Nunca nenhum desses se realizou. E foi-se a adolescência e veio a vida adulta.
Aos trinta anos, solitário e desacreditado esperando que fosse atendido num restaurante, a garçonete se aproximou:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
- Eu queria um amor pra vida inteira
Ela corou, mas, conseguiu responder:
- Eu também.
Havia saído de supetão, já que naquela época seu pedido em voga era “quero voltar a achar graça nas coisas como há vinte anos atrás”. Mal sabia que ambos pedidos seriam realizados naquela tarde.
Casou-se com a garçonete, constituiram família e foram felizes por anos e anos. Inclusive ele lhe contou toda a história. No começo se sentiu lisonjeada em saber que era vista como um desejo realizado, mas, por via das dúvidas, quando saiam pra comer fora, quem fazia o pedido era ela, só por precaução, visto que ele estava decidido a nunca mais fazer pedidos, talvez por acreditar que já havia sido realizado o único que o gênio havia concedido, ou talvez porque desde o dia que a conheceu, a realidade passara a ser o suficiente fantástica.
Tinha já seus trinta anos e uma expressão taciturna. Se encontrava sentado num pequeno restaurante esperando ser atendido. A garçonete se aproximou a sua mesa:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
Ele sentiu um calafrio. "-Qual o seu pedido.." - Pensou.
Eram as tais palavras mágicas, a frase encantada, aquela que supostamente iria realizar seu desejo mais íntimo, mas, a bem da verdade, só havia servido para meter aquele rapaz em apuros memoráveis. Não se importava, ainda assim passou a vida inteira em estado de alerta constante em busca de detectar a tal frase em meio às suas conversas cotidianas, a frase encantada, e a garçonete acabava de pronunciá-las.
A culpa foi do Jander, pai de um de seus amiguinhos de infância, um que morava na casa ao lado, que anos atrás, quando ele ainda era uma criança, em uma reunião com seus companheiros de trabalho havia feito uma aposta: se fantasiaria de gênio da lâmpada e conseguiria convencer o filho do vizinho que ele era real. Ganhou uma grana, afinal, a aposta era uma barbada, todo mundo sabia que aquele moleque era meio aluado e acreditava em qualquer besteira. E lá se foi Jander vestido de gênio da lâmpada tocar a campainha da pobre criança. Soltou até uns versinhos de improviso, Jander era terrível:
(dlin-dlón)
-Sim?
-Não tema, que não sou fantasma
Não corra, que eu não sou atleta
Não grite, que eu não sou surdo
Não feche a porta já aberta
- Ah.. É você. Eu quero um montão de chocolate
- Hã?
- E meu segundo pedido é uma bicicleta.
- Pera! Como você sabe que pode me fazer pedidos? Eu nem me apresentei.
- Você é o gênio dos desejos, todo mundo sabe. Estou te esperando desde o dia do aniversário do meu primo quando eu esfreguei escondido uma lâmpada da minha tia, mas, ali havia muita gente, sabia que você estava esperando eu estar sozinho em casa pra aparecer. Melhor ser rápido, a mãe foi ao mercado e volta logo, e ela não acredita em você, e é perigoso ficar aparecendo pra quem não acredita em ti.
Jander reincorporou o personagem. Sempre havia sido bom de rima:
- Certo, certo, rapazinho
mas te vejo exagerado
dois pedidos me fizeste
e só um te tenho autorizado
- Não eram três?
- Três nos tempos de Aladin
Dois depois só de pirraça
Pra você concedo um
Por enquanto é de graça
- Tudo bem, me dá só o montão de chocolate, a bicicleta eu peço pro Papai Noel
-Muito jovem é meu amo
Pra gastar seu pedido
Espera que um dia te chamo
É conselho de amigo
Toda a vida tem pela frente
Pensa com tranqüilidade
Imagina o melhor desejo
E eu farei tornar verdade
“Qual o seu pedido?”
Esta é a frase encantada
Que no momento certo da vida
Lhe será pronunciada
Não por mim nem por meu pai
Pode ser homem ou mulher
Mas não virá de um conhecido
Será um estranho qualquer
Mas pra que possa seu pedido
Se tornar realidade
Só te faço um requisito
Não me falte com a verdade
Peça o que mais queira no mundo
Seja mundano ou absurdo
Do fundo do infinito te vejo
Não se esqueça da frase
“Qual o seu desejo?”
- Pedido
- Como?
- Pedido. A frase é “Qual o seu pedido”, e, não “Qual o seu desejo”.
- Isso mesmo. “Qual o seu pedido?” . Não se esqueça.
Logo saiu correndo a gargalhadas e se escondeu detrás de um muro, estava satisfeito, já havia pregado a peça, o meninote havia engolido a história perfeitamente. O que Jander não poderia imaginar é que o garoto nunca esqueceria esse dia, e mais, criaria as tais memórias falsas, que são muito comuns quando nos lembramos de fatos da infância. Havia esquecido, por exemplo, que Jander saira correndo desengonçado a gritos histéricos e se escondera detrás do muro, seu recordo pueril era de que o tal gênio havia desaparecido diante de seus olhos numa nuvem de fumaça dizendo “kaput”.
Passaria todos os dias de sua vida em busca da frase mágica. Cada manhã meditava sobre qual era seu desejo mais sincero pra já ter a resposta pronta. Durante a infância foi difícil chegar a um veredicto, queria poder voar, ainda que ficar invisível também era bem atraente. Super força também parecia interessante, pra não dizer do poder de encolhimento que proporcionaria aventuras geniais. Mas, de qualquer forma, não teve a oportunidade de fazer nenhum desses pedidos em ocasião alguma por essa época. Seu primeiro contato com a frase mágica foi já na adolescência, e, pra esses tempos o pedido havia mudado bruscamente. Foi numa lanchonete fast-food. A caixa perguntou:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
- Eu quero a loira do tchan
- Como é que é?
- Perguntei se havia molho de hortelã. Se tiver, eu quero.
Ainda bem que era um rapaz criativo, foi o que o salvou de boas bordoadas ao longo da vida, já que suas tentativas seguintes não foram muito diferentes dessa primeira.
O tempo passou, a mente cresceu, mas, sua fé em que possuía direito a um pedido seguiu inalterada. Só o teor dos pedidos mudava, nunca se esquecia de olhar pra dentro de si profundamente cada manhã em busca de seu pedido mais sincero, não ia ser que ia perder a oportunidade de realizar um sonho por culpa da desonestidade consigo mesmo. E os pedidos iam e vinham: “quero acordar amanhã sem nenhuma espinha na cara” , “quero que o Brasil nunca mais perca pra Argentina” , “quero duas namoradas: uma loira e uma morena”, “quero fazer um gol de bicicleta”, “quero passar no vestibular sem estudar”...Todos esse pedidos foram proclamados sem a menor cerimônia cada vez que um desconhecido lhe soltava a suposta frase mágica: “Qual o seu pedido?”. Nunca nenhum desses se realizou. E foi-se a adolescência e veio a vida adulta.
Aos trinta anos, solitário e desacreditado esperando que fosse atendido num restaurante, a garçonete se aproximou:
- Boa tarde, qual o seu pedido?
- Eu queria um amor pra vida inteira
Ela corou, mas, conseguiu responder:
- Eu também.
Havia saído de supetão, já que naquela época seu pedido em voga era “quero voltar a achar graça nas coisas como há vinte anos atrás”. Mal sabia que ambos pedidos seriam realizados naquela tarde.
Casou-se com a garçonete, constituiram família e foram felizes por anos e anos. Inclusive ele lhe contou toda a história. No começo se sentiu lisonjeada em saber que era vista como um desejo realizado, mas, por via das dúvidas, quando saiam pra comer fora, quem fazia o pedido era ela, só por precaução, visto que ele estava decidido a nunca mais fazer pedidos, talvez por acreditar que já havia sido realizado o único que o gênio havia concedido, ou talvez porque desde o dia que a conheceu, a realidade passara a ser o suficiente fantástica.
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Comments:
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Emocionante.
Um enredo delicado, com algumas repetições desnecessárias, mas nada que afete o encantamento da leitura.
Um final previsível, mas não menos comovente.Há uma frase no final, sobre "achar graça" que remete o leitor à profundas reflexões.
Isso vale todo o texto.
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Um enredo delicado, com algumas repetições desnecessárias, mas nada que afete o encantamento da leitura.
Um final previsível, mas não menos comovente.Há uma frase no final, sobre "achar graça" que remete o leitor à profundas reflexões.
Isso vale todo o texto.
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