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10 de julho de 2007

 

A vida é uma escola



Ainda sobre as sábias lições que a vida me forneceu em seu curso¨


Lição 1

Assim que vim morar em Ibiza consegui um trabalho num restaurante na beira da praia. Era negócio de grã-fino mesmo, o cliente ficava lá deitadão nas cadeiras de praia e os garçons iam servindo bebida e comida lá na areia mesmo, pro marmanjo não se dar o trabalho nem de se levantar pra ir sentar a uma mesa decente.

Então o local era frequentando por gente de dinheiro, muito dinheiro. Iam lá as modelinhos, jogadores de futebol, gente famosinha da TV e todo esse lixo. E essa gente era difícil demais de tratar, porque são cheios de frescura.

Uma das coisas que eu mais tinha raiva era quando eu estava lá atolado de serviço e um imbecil desses me chamava pra me informar que havia uma água-viva bem ali onde ele queria mergulhar, e perguntava se eu seria tão amável de retirá-la da água e matá-la.

Geralmente eu pegava a água-viva e soltava a bicha num outro canto, porque não achava justo sair matando por nada. Mas com o tempo a situação foi ficando cada vez mais insuportável e decidi que não ia mais nem matar nem mudar de lugar nenhuma água-viva, não importava quem me pedisse.

Daí tive a genial idéia de inventar que eu pertencia a uma religião que não me permitia matar águas-vivas. Como eu sou brasileiro, e o meu sotaque não nega, poderia inventar qualquer coisa sobre o Brasil que os gringos iam engolir, então eu falava que minha religião acreditava que Deus vivia dentro dos oceanos e que todos os bichinhos dali eram sagrados e por isso eu não podia matá-los, e nem permitir que o façam. Dizia ainda que essa era a fé brasileira antes de chegarem os europeus com o catolicismo, que eu me negava a seguir por não abandonar minhas raízes.

Xeque-mate! Com religião ninguém se mete! Os gringos adoravam minhas explicações sobre a criação do mundo a partir de uma praia deserta, ficavam encantados com a fé primitiva de um autóctone sulamericano e nunca mais me pediram pra matar medusas.

Moral da história: O mundo politicamente correto te oferece mil vantagens. Desfrute-as!




Lição 2

Eu estava no jardim de infância quando isso ocorreu. Na época ainda não sentávamos em carteiras individuais, a classe era formada por várias mesas redondinhas e ao redor de cada mesa sentavam grupos de cinco.

Não sei se a professora havia marcado de ensinar sobre vegetais naquele dia, até porque não lembro de ter levado nenhum legume para a sala, mas o caso é que um amigo meu tinha levado um chu-chu na mochila, e a professora pediu para que o chu-chu fosse passando de mesa em mesa para que todos observassem enquanto ela explicava para que servia o vegetal em questão.

O menino ia observando orgulhoso seu chu-chu passar de mesa em mesa recebendo os olhares atônitos de quem nunca tinha visto um igual (pelo menos, não numa sala de aula). É aí que entra a questão: Um chu-chu na sala de aula era surreal demais pra mim, não conseguia conceber, chegava a me dar raiva de vê-lo desfilar por um lugar que não era o seu.

Então virei para meus companheiros de mesa e disse baixinho: "-Quando esse chu-chu chegar aqui, vamos comê-lo todinho!". Todo mundo apoiou a idéia, e eu ali salivando vendo aquele chu-chu cada vez mais próximo de seu fim.

Não sei se foi o destino, mas quando a mesa ao lado veio passar o chu-chu pra minha mesa, entregou justo na minha mão. Se tivesse entregado na mão de alguém menos empolgado com a idéia, talvez ela tivesse morrido ali mesmo, ou seja, ao ver que ninguém da minha mesa mordeu o chu-chu eu também não o faria, mas a coisa não foi assim. O chu-chu mal parou na minha mão e nem tive tempo de raciocinar, meti os dentes! Só não foi mais gostoso porque estava cru, mas a intenção não era matar a fome, e sim prostestar pela presença do vegetal em sala. E eu havia conseguido meu objetivo: chamei a atenção de toda a sala com meu gesto.

O que aconteceu depois é de se imaginar. A sala inteira rindo, meus companheiros de mesa me parabenizando pela coragem, o dono do chu-chu chorando, a professora me dando maior bronca, e eu sem direito a sair pro recreio, já que, segundo a professora, já havia merendado o chu-chu.

Moral da história: Vegetarianismo exige perseverança. As primeiras experiências são sempre traumáticas.



Lição 3

Era mês de agosto aqui em Ibiza. o ponto mais alto da temporada, calor do cacete, toda a Europa de férias, e eu e meus amigos trabalhando como burros. Evite pronunciar a palavra "agosto" perto de qualquer um que trabalhe em hotelaria na Europa, ela sempre traz lembranças ruins.

Estávamos então tomando o café-da-manhã todos os empregados do restaurante, um com a cara mais comprida que o outro só de imaginar o dia de merda que nos esperava. Na mesa o assunto era "Estou tão cansado que..."

E quem começou foi um argentino que trabalhava no bar: "-Estou tão cansado que tenho preguiça até de fazer a barba. Quando chego em casa digo que vou fazer amanhã de manhã, daí no dia seguinte acordo em cima da hora e não me dá tempo. Só nisso já levo barba de uma semana.."

Logo foi outro companheiro: "Estou tão cansado que paguei dez euros pra minha vizinha bater minha roupa na máquina e estendê-la, já que nem isso tenho força mais pra fazer..."

Daí veio uma chilena que era nova no restaurante e me solta essa no meio de todo mundo: "..Nem me fale, também termino o trabalho aqui sem forças pra mais nada. É chegar em casa, acender um baseadinho, dar uma cagada e ir pra cama..."

Moral da História: Só nos damos conta da delicadeza das mulheres quando estamos diante de uma que não a possui.

Comments:
Muito boas. Especialmente a 1ª.
 
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