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15 de outubro de 2007

 

Uma crônica




O último vôo do Concorde

Estavam passando férias em Nova York, mas quando a Mariângela soube que o Concorde faria seu último vôo saindo de lá para Londres, ela quis porque quis mudar o roteiro das férias só pra estar nesse vôo. Considerava um evento histórico, "O último vôo do Concorde", e queria estar ali. Mas, um incidente durante a espera no aeroporto mudou a história da viagem. Quando finalmente embarcaram, nem bem o avião decolara e ela disparou:


- Olavo, você me mata! Vo-cê me ma-ta, Olavo...

- Quê? Vai voltar o nhem-nhem-nhem?

- Vou, Olavo! Vou voltar! Olavo, você me mata!

- Fiz a escolha certa!

- Escolha certa? Viu a cara do homem? Viu como ele se sentiu? Olavo, você me mata, Olavo! Não tem coração, Olavo...

- Ora, mas você não vê que eu posso ter salvado nossas vidas e de todo mundo nesse avião? O mundo hoje está assim, não dá pra confiar nem nos amigos, quem dirá um desconhecido no aeroporto que vem pedindo pra você colocar uma carta na sua bagagem.



- Uma carta, Olavo! U-ma car-ta! O pobre homem esqueceu o passaporte em casa, ia perder o vôo e queria que você levasse uma simples encomenda pra família que estaria esperando ele no aeroporto e informasse do imprevisto.

- Podia ser uma carta-bomba.

- Carta-bomba, Olavo? Carta-bomba? Olavo, você me mata, Olavo...

- É, carta-bomba, nunca ouviu falar?

- Ai, e o toucinho? Quê foi aquilo do toucinho, Olavo? Insistir pro homem comer toucinho na sua frente. Se já tinha decidido que não ia levar a encomenda, pra quê fazer aquele espetáculo de tentar obrigar o homem a comer toucinho?

- Aquela foi uma oportunidade que eu dei a ele de ganhar minha confiança. Se não quis comer aquele toucinho que a gente estava comendo na lanchonete, só pode ser muçulmano.

- Só muçulmano não come toucinho, Olavo? E se o rapaz não gostasse de toucinho?

- Desconfio de quem não come toucinho. O toucinho é todo delicioso, não tem como não gostar. Quem não come toucinho só o faz por razões religiosas. Era muçulmano, sem dúvida.

- Meu tio Henrique não come toucinho.

- Agora que você falou, esse seu tio Henrique, ele é meio estranho ...

- Olha, não muda de assunto. E ainda que o rapaz fosse muçulmano, não vejo problema nenhum. É um baita preconceito achar que todo muçulmano sai por aí explodindo aviões.

- Pode ser, mas achei melhor não arriscar.

- Sim, e ofender um pobre homem que só queria levar um relógio de presente pra sua família te parece justificável.

- Quem te falou que era um relógio que estava naquele pacote?

- Eu sei, ué.

- Como que sabe?

- Fazia tic-tac tic-tac

-Pegou o pacote na mão?

- aham

- Mariângela, diz pra mim que você não colocou esse pacote na sua mala sem me dizer nada.

- ...

- Mariângela!

- É um relógio, Olavo. Fica tranqüilo.

- Mariângela, avisa ao comissário de bordo e pede que ele encontre um jeito de arremessar essa merda pra fora do avião!

- Não tá aqui comigo, Olavo. Eu despachei.

- Mariângela, estamos no último vôo do Concorde. A imprensa internacional está toda de olho. Qualquer terrorista adoraria explodir esse avião e você me diz que está carregando uma encomenda que faz tic-tac de um desconhecido que não come toucinho!

- Me desculpe.

- Mariângela, você nos mata a todos, Mariângela. Vo-cê nos ma-ta!

-(chuif)

- Sorte têm esses miseráveis no avião que nem sabem o que lhes espera. A nós, só resta torcer que seja rápido e sem dor.

- Te amo, Olavo!

- Também te amo, Mariângela.

- Te traí três vezes!

- Ora, sua ..

- Olavo, não é hora disso. Foram momentos de fraqueza e não queria morrer com esse peso.

- Pois, quase preferiria morrer sem saber dessa.

- E você?

- Eu o quê?

- Quantas vezes?

- Nenhuma, ora.

- Olavo, não é hora pra isso.

- Só uma. Apenas uma em vinte anos de casamento.

- Foi a Dorinha, não é?

- Não, foi a Estela.

- Justo a Estela, Olavo? A Es-te-la? Olavo, você me mata, Olavo ...

- E você? Quem foram os três?

- Não teve ninguém Olavo, eu menti. E esse avião tampouco vai explodir porque não coloquei nenhuma encomenda do desconhecido na minha mala.

- Err... e essa história da Estela também ...

- Não, Olavo, você não mentiu sobre a Estela.

- É... não menti.

- Olavo, você me mata, Olavo!

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Comments:
Hahaha! Mandou bem. Veríssimo vai morrer de inveja.
 
Muito bom, tudo amarradinho, um show! O que me faz pensar que esses teus desafios são como testes de Rorschach literários, já que a gente tem que inventar uma história a partir de três manchas na parede. Mito doido!
 
Ei, eu sou um blogueiro contista!
 
Quero ser desafiado!
 
Cornface,

Esta foi muuuuiiiiito engracada!!!

Muto boa mesmo.
 
HUhauhauhauhauha!!!! Muito, mas muito boa mesmo. Sou leitor novo do blog. Adorando...
 
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