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11 de novembro de 2008

 

Mas, afinal o que tem de mais nessa porra de elefante?




Eu tinha uma namoradinha que era muito boa menina, boa de verdade, não boazuda. E todo mundo quando a conhecia vinha comentar que eu tinha uma namorada encantadora, uma menina de coração puro, dessas que não se encontram mais.

Logo nas primerias semanas em que a conheci, lembro de uma conversa que a gente teve que reforçou muito a idéia de que eu tinha um anjinho dormindo na minha cama. Ela contou, com lágrimas nos olhos, sobre o dia em que seu pai a levou ao circo, e lá tinha um número em que o domador fazia o elefante caminhar sobre duas patas. Acontece que o elefante, provavelmente movido pelo esforço descomunal de caminhar de uma forma na qual não estava acostumado, teve uma crise de bexiga frouxa durante o espetáculo e ao mesmo tempo em que caminhava deixou um enorme rastro de urina pelo picadeiro, o que resultou em gargalhadas gerais na platéia. Essas gargalhadas a traumatizaram por toda a vida. - Pobre elefante - dizia ela - Passar por um vexame desses por culpa do domador.

Sim, assim era minha menina, tomava as ofensas até de um elefante. Mas, sabe come é, as coisas não duram para sempre, e um dia ela resolveu me dar um enorme pé na bunda, um pé de elefante, e justo num momento bem inoportuno, quando eu estava cheio de dívidas, morando numa casa de merda, com gente de merda, trabalhando num trabalho de merda e pra completar, tinha acabado de machucar a perna naquele dia e tive que ficar uma semana de cama, uma semana inteira deitadão com tempo suficiente pra ficar me remoendo no quanto eu era infeliz e me perguntando como era possível ela me deixar ali naquela situação. Num dos raros momentos de genialidade durante aqueles dias me perguntei: - O quê que aquela porra de elefante tem que eu não tenho?

Assim, ela se corroe toda por ver um elefante sendo alvo de chacota, um bicho que com toda certeza nem sabia que estavam rindo dele e que com mais certeza ainda não tem a menor noção de se fazer xixi num picadeiro é reprovável ou não. Provavelmente, na cabeça dela, o puto do elefante nem conseguiu dormir naquela noite tamanha a humilhação que havia passado, talvez até precise de psicólogo. Por outro lado, pode dar a um ser humano os piores dias de sua vida sem nenhum remorso.

Esse episódio serviu de base pra um pensamento que desde então eu sempre carreguei comigo: Cuidado com os defensores de animais, muito cuidado! Muita atenção com meninas que levam cachorrinhos de rua pra casa, que choram vendo Free Willy e que te passam links de vídeos de animais sendo mortos pra fazer casaco de pele, essa gente é perigosíssima. Na minha concepção, são pessoas incapazes de sentir afeto por qualquer ser humano e que por isso usam os animais como válvula de escape pro amor que têm guardado e não têm a quem endereçar. Você provavelmente conhece alguém que delira assistindo vídeos de execuções e acidentes fatais, mas que chora vendo foquinhas sendo caçadas. Evite essas pessoas, é pro seu bem.

Mas, vamos voltar a falar daquela vadia da minha ex-namorada. Muitos anos depois voltamos a nos encontrar pra fazer aquele tal do flashback, e também para comparar quem havia sido mais maltratado pelo passar do tempo. E eis que numa conversa rotineira ela expõe sua aversão sobre as touradas espanholas. Putz, se eu conto a raiva que me subiu nesse momento, a vontade de cortá-la em pedacinhos, de esbofeteá-la no meio da rua, de tacar fogo na cara dela, de dar uma rasteira, ipon, bica na costela, mata-leão ...enfim, respirei fundo antes de falar qualquer besteira, pensei até em expor minha teoria do elefante já que ela me ajudou a elaborá-la, mas a gente estava falando de touros, então achei melhor deixar o infeliz do elefante mijão quieto e apenas a recordei que ela deveria então ser vegetariana, já que uma vaca sofre mais num matadouro que um touro em uma tourada. Ela me disse que estava analisando a possibilidade de dentro de uns meses se tornar vegetariana.

Eu fiquei pensando: Porra, ou você é vegetariano ou não é! Que papo é esse de "vou virar vegetariano"? Se acha errado comer carne, então você não come carne. Seria o mesmo que um agricultor do século XIX falasse "Eu estou aqui espancando esse escravo (splat !splat!), mas quero parar (splat! plat!). Acho que daqui a uns dois meses vou ser abolicionista,(splat !splat !) mas enquanto isso ... porrada no timbuço! (splat!splat!)"

Durante esses dias que passei com ela, a moça ainda argumentou em defesa do mico-leão, das orcas, do macaco-prego, do gafanhoto rosa da Ilhas fiji e do Papacu rasteiro que habita os rios do Zimbabue. Mas, sua militância ia além dos animais, argüiu também em prol dos cubanos, palestinos, zulus, curdos, botafoguenses, hippies, emos... enfim, a única espécie que ela nunca se manifestou a favor foi uma que está quase extinta: a do namorado que que sempre me tratou com carinho e agora está na merda, com a perna machucada e precisando de mim. Fora isso, a menina era uma causa ambulante.

Foi aí que vi que a teoria do elefante estava incompleta, não é só de defensores de animais que devemos nos precaver, e sim de defensores em geral. Duvide de qualquer pessoa que apóia povos os quais ela nunca teve contato. Pergunte a todos defensores dos tibetanos, quantos tibetanos eles conhecem. O mesmo para defensores de palestinos ou qualquer outro povo oprimido. Depois perguntem qual a diferença entre a opressão desses povos e a opressão dos meninos que vêm vender bala no sinal e eles fecham o vidro com medo. Quando encontrar alguém com uma camisa ou adesivo "Free Tibet" pergunte com quantas pessoas necessitadas que moram bem mais perto que os tibetanos ele cruzou ontem, e o que fez por eles.

Isso completa meu raciocínio:

- Pessoas ruins são incapazes de amar quem está a seu redor e se sentem incômodas por isso. Precisam se sentir boas de alguma maneira, e a estratégia encontrada é adotar ideologias completamente alheias a sua vida, defendendo grupos, raças ou espécies as quais nunca terá contato e se um dia tiver a oportunidade, evitará a todo custo. O carinha que sai com a bandeira da Palestina na camisa quer apenas ser visto como um defensor de uma causa, ele não vai pra cama preocupado com os palestinos, aliás, ele nem sabe encontrar a Palestina num mapa.

- Pessoas boas podem até se familiarizar com causas distantes. Ninguém deixa de se sensibilizar vendo um bichinho fofo, peludinho e indefeso tendo sua pele arrancada ainda vivo. Mas sentir-se indignado com uma injustiça não faz de você uma boa pessoa. Pessoas boas não tentam mudar o mundo, tentam mudar seu mundo, que é composto por sua família, seu círculo social, seus companheiros de trabalho, seus subordinados, seus chefes e quem mais você encontrar pela rua. Uma das melhores pessoas que eu conheço é o dono da cafeteria onde eu trabalho, se vocês vissem como o cara sai de um baita carrão, com um terno de mais de mil euros pra logo entrar na cafeteria e conversar de igual pra igual com um mendigo que está ali tomando café, sem se sentir superior e sem falsa modéstia, saberiam do que estou falando. Simplesmente todas as pessoas ao seu redor estão felizes com ele, desde sua esposa aos seus empregados.

Pra terminar, vou contar duas experiências minhas e vocês pensem sobre qual foi a mais gratificante.

1 -Quando houve o tsunami na Ásia eu dei um euro pra cruz vermelha como uma pequena contribuição para as vitimas do desastre. Me senti bem por dez segundos e nunca mais voltei a pensar nem no tsunami e nem em suas vítimas.

2- Quando eu era camelô em Madrid, tinha que chegar no local bem antes de escurecer porque senão as calçadas já estavam todas ocupadas por outros ambulantes. Uma vez vi que dois imigrantes africanos discutiam porque um deles chegou tarde e não tinha onde colocar a mercadoria, o outro estava obstinado a não ceder nem meio palmo de calçada a seu compatriota. Fui até eles, perguntei o que tinha acontecido, e um deles me explicou que seu amigo havia dormido demais e que ele não ia dar espaço pra dorminhoco. Então eu fui até o primeiro camelô lá na ponta da calçada e pedi que ele chegasse "um tiquinho" pro lado, coisa pouca, cinco centímetros bastava. Logo pedi o mesmo pro camelô ao lado, e assim sucessivamente. No final, havia se formado espaço suficiente pro dorminhoco colocar suas bugigangas: - Tá aqui! Problema resolvido! - Disse pro rapaz. Ele me olhou com aquela cara de "Por que você ta fazendo isso por mim?", agradeceu e logo foi montar sua barraquinha. A cara que ele me olhou quando viu que eu, que nem o conhecia, o estava ajudando eu nunca esqueci.



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Comments:
Cara...

Gosto muito de ler, mas normalmente não deixo comentários. Só que hoje foi indispensável:

EXCELENTE!

De um desconhecido do RS
 
gostei daqui!
voltarei mais vezes...

:-D
 
Concordo contigo nessa.
esse pessoal adora se fazer de santo, mas nao costuma olhar o proximo. essa hipocrisia poderia matar.

e eu ja fico longe desses protetores mesmo. povo meio doido.
 
Vei! Excelente seu texto.
Sugestão:
Como você tem postado pouco, desculpe o pedido, poderia responder comentários; sei que disse que não o faria, mas, sou um dos que gosta da comunicação do leitor com o escritor.
Parece que não obstante escrevermos nada, também somos lidos e correspondidos. Obrigado.
 
Me dá o telefone da biiaaaatch!
 
Ah, eu sentiria pena do elefante sim. E teria vontade de matar o filho da puta do domador.
Não morro de amores pela humanidade no geral, mas tbm não saio em defesa dos micos dourados, baleias e golfinhos.
Prefiro animais a pessoas, mas faço o que está aomeu alcance: cuido dos meus pacientes, tento protege-los...e qto a parte humana de minha vida...tendo ser uma pessoa legal.
Viva e deixe viver, ajude se estiver em seu alcance.
Agora...manda a merda a porra da mina vegan. Credo, nem eu aturo gente chata assim!!!! XDDD
Beijos.
 
Eu mesmo já comprovei a maior parte da sua tese.
 
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