.comment-link {margin-left:.6em;}

17 de dezembro de 2008

 

Sobre o tempo em que tudo isso era tabu






Vai ter gente que não vai acreditar, mas vou falar assim mesmo: antes da popularização da internet havia pessoas que nunca tinham ouvido uma piada. É sério! Havia gente que vivia sua vida normalmente, trabalhava, comia, fazia sexo, dormia e surrava os filhos com câmaras de bicicleta sem nunca ter escutado ou contado uma piada até o dia de sua morte. E não eram poucos, chegava até a ser algo corriqueiro.

Eu coloco a internet como uma base porque ela ajudou sim a popularizar o humor. Hoje qualquer um pode ler ou criar um blog de piadas (é, né!?), gravar ou assistir vídeos engraçadinhos, enviar e receber e-mails com piadas de loira, de modo que é impossível você ter acesso a internet sem nunca ter sido vítima de uma tentativa frustrada, ou não, de fazer rir. Aliás, tente eliminar todo o conteúdo humorístico da web, o que sobra? Museus online (cantam os grilos: cri cri cri)? Salas de bate-papo (zzzzzzzzzzz)? Notícias que você já leu no jornal (bola de feno passando)?Pois é, hoje convivemos com o humor cada dia, mas não foi sempre assim, não.

Entre quinze e vinte anos atrás, isso que hoje é cool era então um tabu. As mesmas pessoas que hoje acessam um kibeloco da vida sem remorsos, tempos atrás morreriam de vergonha de entrar numa banca de jornal e comprar uma revista MAD ou serem flagrados lendo as tirinhas do Angeli no jornal. Escrever um texto engraçadinho então era algo inimaginável pra essas pessoas, ainda que muitas hoje tenham virado comediantes conceituados na blogosfera.

Daí você me pergunta: mas, como pode ser isso possível? Uma pessoa nunca ter ouvido uma piada? Não tinha televisão pra assistir Chaves, TV Pirata, Os Trapalhões, Escolinha do Professor Raimundo... E eu respodo: sim, tinham televisão e assistiam todos esses programas, só que não viam como algo humorístico. Nem sequer davam risada. A televisão era só uma ferramenta de integração social, assistiam as comédias porque sabiam que outros assistiam e queriam ter sobre o que conversar no dia seguinte, mas daí pra captar o humor do Seu Madruga já são outros quinhentos.

Você ainda não convencido me pergunta: E passavam a vida inteira sem dar risada? E eu respondo: Claro que não! Essa gente dava muita risada! Quando alguém caía de bunda no chão eles morriam de rir! Se fosse um gordo caindo, então era mais engraçado. Se ao invés do gordo, fosse uma gorda, tinha gente que até se mijava. Se estivesse chovendo, pra gorda ir patinando no chão molhado até a fatal queda, daí era risada pra uma semana. Sua essência humorística se resumia a isso, uma constante espera de flagrar alguém se estabanando. Então, se pra você uma pessoa tropeçando pode ser classificado como piada, pare de ler por aqui, esse texto não é pra você.

Ainda que o tombo da avó do meu primo num churrasco em Santa Catarina é uma das cenas mais engraçadas que eu guardo na memória, aquilo foi apenas engraçado. Um fato engraçado é diferente de uma piada. As pessoas que nunca ouviram uma piada só conseguem rir do humor involuntário. A partir do momento que precisam fantasiar algo irreal para provocar o riso, já se sentem incapazes. Uma piada é uma invenção, uma cena que nunca ocorreu, uma frase que nunca foi dita, uma pessoa que nunca existiu. Mas, pra certas pessoas o raciocínio é outro: Se não aconteceu, é mentira, e mentiras não são engraçadas.

Eu sei que pode soar pedante eu estar aqui classificando o que é piada e o que não, afinal eu sou mais um blogueirinho qualquer e pode que você nunca tenha soltado uma gargalhada lendo minhas histórias, mas uma coisa eu afirmo: do meu pai você riria. É isso, eu tive berço, por isso me sinto habilitado a falar dessas coisas. Meu pai é um excelente piadista, meus amigos e parentes adoravam escutar aquelas piadas que eu já tinha ouvido dezenas de vezes. Através dele eu já escutei tanta piada, que hoje eu passo por uma livraria e não sinto a menor curiosidade em abrir um livro de anedotas, porque sei que já conheço a maior parte do que está ali. Enquanto eu já conhecia todo o repertório do Costinha e do Ari Toledo, meus amigos na rua tinham como o "rei da graça" um vizinho meu cuja piada mais significativa era a dos tomates japoneses atravessando a rua, que era um remake da piada dos tomates atravessando a rua, só que agora em japonês. De fato, essa era a única piada que ele conhecia, mas como ninguém conhecia nenhuma, o rapaz virou um ícone do humor no bairro.

Mas não é que as pessoas fossem mais cisudas e carrancudas uns anos atrás. Como eu já disse, humor era tabu. Tava na educação recebida por essas pessoas, que graças a Deus (ou a Darwin) eu não recebi. Assim como hoje uma mãe ensina um filho a fugir das drogas e da programação da Tv de Domingo, naqueles tempos ensinavam a fugir de piadistas: "-essa gente que quer te fazer rir é estranha, filho." Eu tinha, por exemplo, um amigo de infância cuja mãe estava preocupada com a quantidade de besteiras que eu falava quando estávamos brincando, assim que um dia fui chamá-lo em sua casa e ele me respondeu que sua mãe o tinha proibido de brincar comigo, porque eu era "muito bobo". Ao cabo de uma semana ele foi à minha casa e disse que poderíamos brincar, desde que eu me comprometesse a não falar gracinhas. Trato feito, pegamos uns bonecos do He-man, levamos para o corredor do prédio dele e ficamos ali atrás da porta do seu apartamento. Papo vai, papo vem, e eu cansado de botar os bonecos pra lutar, decidi que o He-Man iria agora dançar. Comecei a cantar uma lambada enquanto colocava o He-Man pra dar uns requebrados, quando a mãe do moleque abre a porta de supetão:

- Já começou com as besteiras, Thiago?

Tipo, a coroa ficou uns bons quarenta minutos com a orelha colada na porta pra se certificar que eu não tentaria falar nenhuma gracinha na presença do filho dela. Isso era normal por aqueles dias. Tinha também uma amiga que gostava de dizer aos quatro cantos que odiava filmes de comédia. Hoje em dia você fala uma coisa dessa e apanha, mas naquela época ninguém estranhou, só eu, que até hoje me pergunto se ela se referia aos filmes de Woody Allen, ou aos do Leslie Nielsen ou Macaco Natalino vai ao acampamento de verão. A garota provavelmente foi educada a colocar tudo no mesmo saco: filmes de comédia. E depois foi ensinada a repudiá-los.

Então, mas eu dei toda essa volta pra contar uma história peculiar que aconteceu na minha escola. Foi o dia em que eu vi uma menina ter seu primeiro contato com uma piada, aos dezesseis anos. Ela se chamava Katiene e eu digo o nome real porque espero que um dia ela leia esse texto. Sei muito pouco de Katiene, apenas que ela nunca tinha ouvido uma piada e que tinha uma bolsa de duzentos reais (isso em 1998). Claro que um pai que compra uma bolsa de duzentos reais pra uma filha de dezesseis anos não quer que a moça saia por aí conversando com piadistas, mas ela ousou desafiá-lo.

Katiene levava sua vidinha normal, namorava um carinha popular do colégio, matava aulas pra ir no show da Xuxa e exibia sua bolsa de duzentos reais. Não era mal-humorada, era bem risonha. Ria dos professores, do tênis velho das amigas, das bolsas de menos de duzentos reais, um primor de menina. Um belo dia um companheiro apareceu na sala de aula com uma folha A4 e nessa folha tinha um texto tirado de uma página de uma tal de internet (chamávamos assim). Como apenas dois dos quarenta alunos tínhamos acesso à tal da internet, naqueles idos não bastava mandar textos por e-mail, tínhamos que imprimir e levar pra escola. A folha foi passando de mão em mão até colidir com o destino de Katiene.

A mocinha, inocentemente começou a ler o texto. Primeiro com timidez, logo com mais interesse e era notável a sua expressão no rosto de ter descoberto algo novo. Era um texto típico desses que você recebe por e-mail duas vezes por semana, que falava das supostas características peculiares de pessoas pobres (lamber tampa do iogurte, tomar banho de mangueira, fazer uma festa e pedir pras meninas levarem um prato de salgado e os meninos um litro de refrigerante, essas coisas..) e a moçoila acabava de ter seu primeiro encontro com o sarcasmo. Eu vi tudo desde o começo. Ela começou a ficar vermelha, perdeu o ar, as pernas tremiam, as mãos agarravam a folha com força, como se não quisesse permitir que ela fugisse nunca mais. Sua boca deu o primeiro sorriso sem a ajuda de uma desgraça alheia e toda aquela euforia foi minguando suavemente quando ela se deu conta que teria que devolver a folha pro seu dono e que perderia aquele precioso tesouro recheado de piadas do Caco Antibes.

Foi quando ela inteligentemente arrancou uma folha de seu caderno e começou a copiar tudo que ali estava escrito. Senti vontade de pará-la, de explicar que estava tudo bem se ela perdesse aquela folha de vista, que quando ela lesse pela segunda vez já não teria graça e que o ideal era seguir buscando novas fontes de ironias, e não ler e reler a mesma todos os dias, mas decidi apenas observar todo aquele fantástico processo de descoberta. Ela continuava copiando letra por letra, com o fim de não perder o encanto daquele inusitado momento em que teve conhecimento de que no mundo existem pessoas que inventam ou exageram fatos cotidianos com o objetivo de transformá-los em uma situação cômica, que tem por fim provocar o riso sem a necessidade de que uma gorda caia numa rua molhada para tal.







Photo Credits

Marcadores:


Comments:
Cara, na boa. Fica dificil prá caráio fazer comentário estilo mad diante dos seus textos.
P'taquiupariu!! Foda-se!! Genial!

Eu tentei...
 
"genial!" ele disse "genial"!

briga com ele....briga com ele! rs

lendo isso me lembrei dos filmes do jerry lewis...

"já começou com besteiras, thiago?"

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...esse é o tipo de pergunta que deveria ter uma boa resposta, mas um olhar, até de uma criança, resolve...rs
 
Claudio:

Pode fazer um comentario assim: É uma das coisas menos ruins que li aqui.


Ginger (ou Ju)

Pra vocÊ ver, ja tinha começado as besteiras naquela época. Se tivesse dado ouvidos à coroa, não existiria o Cara de Milho (who cares, anyway?)
 
Cara, que viagem, li seu texto e não acreditei.
A internet tem coisas bem engraçadas, os perfis do Orkut, por exemplo, são hilários.
Mas dai a dizer que na era pré-internet, não existia humor, meu Pai me acuda.
Você deve ser bem novinho, nenão?
Ou então o problema é outro: excelentes piadistas como o seu pai sempre existiram, mas essa qualidade não é transmitida geneticamente.
Por isso as pessoas não entendiam suas piadas.
 
Ai Robertão, não faz isso comigo. Ou você não leu o texto ou entendeu e está seguinda à risca a minha ordem de ser esculachado nos comentários. Vou ficar com a segunda opção.
 
Meu He-man tambem ja dançou lambada. Que mais seus bonecos faziam? Por acaso comiam barbies das vizinhas? Meu he-man era foda namorava e tudo.
O não confunda o roberto de cima comigo.Sou um participante da liga e leio teu blog desde a criação.
Vai esculachar o caralho...
 
Quando eu tinha uns 7 anos passei uma tarde na casa de duas irmãs amigas minhas, todas as vezes que davamos risada a mãe delas vinha dar bronca. Pular na cama podia, dar risada não. Nunca entendi, até ler isso.
 
Postar um comentário



<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

eXTReMe Tracker